A menina do olfacto delicado

sensibilidades e limitações de um nariz e outras verdades igualmente falsas

terça-feira, julho 18, 2006

Marias e mães...

Que não podemos viver sem elas, mesmo quando fisicamente ausentes ou inexistentes nas nossas vidas, já eu sabia...Tantas mães que eu encontrei nos meus livros...
Quem quer ser esta???
"Abandona o corpo do filho, aos filhos, por cima dela como sobre uma colina, como um jardim, comem-na, batem-lhe, dormem-lhe em cima e ela deixa-se devorar e às vezes dorme enquanto eles estão por cima do corpo dela."
Marguerite Duras
A vida Material
O lugar da mãe pode-se configurar como lugar do inconsciente, da experiência supra-individual. Pode ser a totalidade de todos os arquétipos e , por vezes, objecto de fixações...A mãe continua a exercer um fascínio inconsciente que ameaça paralisar o desenvolvimento do "eu". A mãe pessoal recobre o arquétipo de mãe/símbolo do não-eu.
e continua:
"Essa mãe venerada que foi companheira dele e única heroína no deserto da sua vida."
idem, ibid,referindo-se à relação afectiva mãe/filho de Roland Barthes.
I'm your queen ou criança sofre!!!
A mãe pode ser indiferente ao indivíduo, completamente absorvida pelo ciclo cego da criação e tornar-se numa mãe devoradora (nhamy!!!). A mãe que torna a casa inabitável.
"que faz com que as crianças fujam de casa (...) como nós fugimos. Fugimos porque a única aventura é a que foi prevista pela Mãe."
ibidem.
A mãe ilusão ou andam é à procura de mãezinha, andam,andam...
"és afinal a única/és talvez a inúmera
ternura que vem depois do sol/quando depois do sol não vem mais nada."
David Mourão-Ferreira
Os amantes
A mãe surge como ilusão do Nada e ilusão de Tudo, ligada à presença da amante que é apenas o eco da mãe definitivamente perdida.



A minha mãe e a tua...

A mãe pode ser extensiva, uma instituiçao, pode guardar a vida (dos filhos) dentro de um baú, na maior parte das vezes, a mãe pode ser uma criança, pode ser a fada madrinha ou a bruxa má...

No sorriso louco das mães

No sorriso louco das mães batem
as
leves gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batemos dedos
amarelos das
candeias.Que balouçam. Que são puras.Gotas e candeias
puras. E
as
mães aproximam-se soprando os dedos frios.Seu corpo
move-se pelo meio dos
ossos
filiais, pelos tendões e orgãos mergulhados,e
as calmas mães
intrínsecas
sentam-se nas cabeças filiais.Sentam-se, e
estão ali num silêncio
demorado e
apressado,vendo tudo,e queimando as
imagens, alimentando as
imagens,enquanto o
amor é cada vez mais forte. E
bate-lhes nas caras, o amor
leve. O amor feroz. E as
mães são cada vez
mais belas. Pensam os filhos que
elas levitam. Flores violentas
batem nas
suas pálpebras. Elas respiram ao alto
e em baixo. São silenciosas. E a
sua
cara está no meio das gotas
particulares da chuva,em volta das candeias. No
contínuo escorrer dos
filhos. As mães são as mais altas coisas que os
filhos criam,
porque se
colocam na combustão dos filhos. Porque os filhos
são como invasores
dentes-de-leãono terreno das mães.E as mães são poços de
petróleo nas
palavras
dos filhos,e atiram-se, através deles, como
jactos para fora da
terra.E os filhos
mergulham em escafandros no
interior de muitas águas,e
trazem as mães como polvos
embrulhados nas
mãos e na agudez de toda a sua
vida.E o filho senta-se com a sua
mãe à
cabeceira da mesa,e através dele a
mãe mexe aqui e ali,nas chávenas e nos
garfos.E através da mãe o filho
pensa que nenhuma morte é possível e as
águas estão ligadas entre si por meio
da mão dele que toca a cara louca da
mãe que
toca a mão pressentida do
filho. E por dentro do amor, até
somente ser possível
amar tudo,e ser
possível tudo ser reencontrado por
dentro do amor.

Herberto Helder